quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Algumas implicações da relação depressão X hermenêutica

O caminho para a vida é de quem guarda o ensino, mas o que abandona a repreensão anda errado. 
(Provérbios 10:17)

Há algum tempo atrás, tive um problema pessoal que me levou ao consultório psicológico. Após os benefícios iniciais do tratamento me interessei pela área da psicologia e adquiri bastante literatura para tentar entender melhor aquilo que afligia a mim e a outras pessoas ao meu redor.
Dentre vários livros, comprei um dos melhores materiais disponíveis no mercado editorial brasileiro sobre a depressão, dos autores Aaron Becker e Bred Alford (Depressão: causas e tratamento, 2ª edição, editora: artmed, 2011). Iniciei a leitura. Foi algo extremamente revelador para o problema que eu estava passando.
Eu simplesmente devorei o livro, grifando várias e várias páginas. Hoje, depois de um bom tempo, folheando esse livro, achei uma parte que eu havia grifado quando o li...
"Nos estágios mais graves [da depressão], os pacientes têm dificuldades até para considerar a possibilidade de que suas ideias ou interpretações talvez sejam errôneas. Eles acham difícil ou impossível considerar evidências contrárias [às suas ideias] ou explicações alternativas" (BECKER; ALFORD, 2011, p. 221)
Já superei o problema pessoal que me fez ler esse livro, mas percebo que esse assunto precisa ser tratado para além das questões pessoais e deve nos conduzir a pensar um pouquinho na psicologia da religião e sua relação com a interpretação bíblica (hermenêutica).
Imagine uma pessoa depressiva que, porventura, é uma intérprete da Bíblia ou pregadora do Evangelho. Imagine que essa pessoa tenha seu quadro de saúde mental agravado por problemas pessoais. Naturalmente, conforme o texto diz, em estágios graves da doença, a pessoa se apegará às suas ideias e interpretações da Bíblia de forma tenaz e será muito difícil ou talvez impossível fazer ela avaliar posições contrárias às dela. Se tal pessoa tiver interpretado e pregado o Evangelho corretamente, os problemas podem ser menores, mas se tal pessoa aceitou como verdade divina aquilo que é simplesmente ideia humana, ou heresia satânica a questão pode se tornar tenebrosa.
E isso é perturbador.
Quem sabe essa situação possa nos ajudar a explicarmos parte de um fenômeno cada vez mais recorrente nas redes sociais em torno das questões religiosas, a dificuldade de algumas pessoas em dar o braço a torcer independentemente da natureza dos questionamentos e refutações que um ensinamento seu venha a precisar encarar.
Há hoje, inúmeros grupos de pessoas reunidas em torno de líderes que, como porta vozes de tais grupos, pregam todo tipo de coisas diferentes entre si. Há quem garanta, acime de tudo, que tal tendência é basicamente o cumprimento profético de 2 Timóteo 4:3... Realmente isso é verdade, mas o que me interessa aqui é que o potencial de uma doença mental adicionada a esse fenômeno é muito grande.
Não estou sugerindo que cada caso de porta voz de ideias religiosas "diferentes" é um doente mental que atrai e dá voz a um bando de outros doentes mentais, nada é tão simples, mas isso pode ocorrer e creio que, de fato, isso ocorre mais corriqueiramente do que a maioria percebe.
Sou líder da igreja já há alguns anos, e nesses anos estive em debates e confrontos com muitos erros doutrinários. Problemas sobretudo com o perfeccionismo, mas também com a doutrina da Trindade e extremismos nas questões de estilo de vida. Esses embates me ensinaram muita coisa sobre as pessoas e sobre a igreja de forma geral.
Dentre essas coisas, aprendi que muitas vezes pouco ou nada importa às pessoas a força da argumentação em função da revelação bíblica ou da obra de EGW, o que realmente importa na maioria das vezes é a função social que uma doutrina (mesmo errônea) cria em um grupo e a força que tal doutrina tem em em dar sentido à vida e à "missão" da pessoa.
Uma pessoa doente mentalmente que, por alguma razão, se torne convencida de que sua missão no mundo é salvar a igreja implantando nela o perfeccionismo, o antitrinitarianismo ou o extremismo ou ainda qualquer outro erro ou heresia, tem um enorme potencial de causar confusão e briga entre os crentes e dividir a igreja, criando fanatismo.
Se a tal pessoa algum dia esteve ou ainda está bem posicionada na hierarquia da igreja, o fenômeno é multiplicado exponencialmente. A voz do doente poderá ser confundida com a voz da igreja ou do próprio Deus, e o problema pode se tornar muito complexo de ser avaliado ou resolvido.
Não estou sugerindo que aqueles que discordam de mim nas questões hermenêuticas em torno do perfeccionismo ou da doutrina da Trindade são doentes. Não! Podemos discutir tudo isso. Mas tenho certeza absoluta que alguns hereges são realmente doentes, e sua incapacidade de avaliar os argumentos contrários à sua visão se deve a um estado mental debilitado e desequilibrado.
Por isso, precisamos estar atentos à essas questões no sentido de evitar, pelo menos, dois problemas principais.
1) Devemos evitar de interpretarmos os problemas mentais de certas pessoas como se tais problemas fossem provas de que a igreja, em si, não consegue interpretar a Bíblia de forma verdadeira. Isso não é verdade. Um doente pode bater o pé contra uma interpretação da igreja por sua vida toda, mas isso não é prova de que a igreja está errada no ponto em questão. Basta avaliar honestamente se a mensagem em questão é realmente bíblica ou não, e não se todos no mundo concordam a seu respeito.
2) Devemos evitar de perdermos tempo precioso em discussões doutrinárias com aqueles que, na verdade, precisam é de ajuda psicológica, pois nesse caso estaremos gastando nossa energia com foco equivocado e tentaremos resolver um problema impossível de ser solucionado por esse método.
Com tristeza,
Pr. Ezequiel Gomes

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